terça-feira, 1 de novembro de 2011

A SERPENTE E A LIMA

 












Certo relojoeiro 
Duma serpente a vizinhança tinha. 
(Que péssima vizinha!) 

O réptil, sorrateiro, 
Entra-lhe a loja, em busca de guisado, 
E à mão só vê, para matar a fome, 
 Lima d'aço, bem rijo e temperado. 

Morde-a, e, qual avestruz, quer ver si a come. 
A lima então, sem cólera falando 
Diz-lhe: "estulta pareces, 
Deste modo atacando 
Aquilo que conheces 
Ser mais rijo que tu. Antes que possa 
Teu esforço um ceitil me destacar; 
Antes que eu sofra a mais ligeira móssa, 
Has de as presas quebrar. 

Pascacia! Eu temo só do tempo os dentes, 
E não os das serpentes." 
Isto que eu disse aqui, leva endereço 
Aos espíritos vis que tudo investem. 

Bem que, tacanhos, para nada prestem, 
Tudo mordem; têm tudo em menosprezo. 
Quererdes (parvos!) amolgar co'as presas 
Produções imortais do engenho humano, 
É vão esforço insano, 
A mais louca e irrisória das empresas! 

Vossa fúria espumante 
Nem a mais leve brecha lhes imprime; 
Pois todas têm a têmpera sublime 
Do aço fino, do bronze e diamante. 

Jean de La Fontaine



MORALIDADE. ‐ Uma vida honesta e pura é como a lima: por mais que a serpente da calúnia lhe queira cravar os dentes, nada consegue.

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